Entre palavras, poeira e lembranças
A turma não parece ansiosa, mas determinada, em todo o trajeto. O prédio de tijolos é igual aos outros, salvo as janelas grandes, tão grandes que podemos ver o lado de dentro.
Mesmo com o som das pessoas e dos carros na rua, o ambiente externo da biblioteca é bem tranqüilo, como se já nos preparassem para o ambiente interno.
Ao entrar, vi a grande árvore que estampa o lado de fora da janela. A parede de tijolos não é revestida em massa nem pintada, talvez isso pouco importasse. A decoração está por conta das estantes quase até o teto e pelos livros que as compõe.
A nossa presença acabou exigindo um pouco mais de concentração das pessoas que já se encontravam presentes. Os olhos se fixavam mais, mãos eram levadas à cabeça, na tentativa de encontrar o foco de novo. Mas todos estão em silêncio, respeitando a regra básica do ambiente. Cada um encontrara seu cantinho e concentrado, escrevia palavras indecifráveis ao olhar alheio, mas que transmitia sentimento para quem as escrevia.
Aos poucos as coisas vão se acalmando, não se ouve mais barulho de piso rangendo nem cadeiras arrastando.
Olho em volta. Chama-me a atenção uma bandeira do Brasil, no segundo andar. Ela me trouxe uma sensação de que estamos “protegidos” de alguma forma, mas também nos lembra que há algo acima de todos nós. Um relógio de madeira fica pendurado na parede. Achei bem pequeno para uma biblioteca desse porte. Mas lá dentro, ninguém parece se importar com as horas. Aquele relógio é um mero coadjuvante em meio a tantos livros e pessoas que os procuram, dois corpos tentando se encontrar em meio a tantos outros, incompatíveis.
Percebo então o cheiro característico de biblioteca, que me remeteu a lembranças; um livro que lia na infância sobre cágados toma conta de minha mente. Sua capa era dura e bege e suas folhas finíssimas, quase cortantes. A poeira irritava meus olhos e meu nariz, entretanto continuava lendo, folheando. Nada me tirava dali.
Ao subir as escadas, um título me chama a atenção: “Formando crianças produtoras de texto”. A capa estampa uma silhueta de criança segurando uma caneta e escrevendo em um caderno branco. O livro parecia nunca antes folheado, sem dobras e sem poeira. Mas prefiro os livros antigos, imperfeitos, com “orelhas”. Tocar as páginas amareladas e ler aquelas palavras há tanto tempo impressas dão uma sensação de legitimidade.
Yumi Maeda Miyake
Nada não...
Há 10 anos